sexta-feira, 30 de abril de 2010

Augusto dos Anjos

Contrastes

A antítese do novo e do obsoleto,
O amor e paz, o odio e a carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina
Tudo convém para o homem ser completo

O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério

Às alegrias juntam-se às tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemiterio

Augusto dos Anjos

Para Alberto Caeiro

Tenho pensado muito
No sentido das coisas
Pois há muita coisa que
Pra mim perdeu o sentido

Tenho usado olhos, nariz,
Boca e ouvidos para sentir
Que pouca coisa me ecoa, me apetece,
Me cheira bem e me agrada

Tenho pensado aflito
No tudo e no nada
E a metafisica não explica
Nem metade do que sou

Sei que existo, quando não duvido
Mas duvidar já me prova
A existência de algum modo
E porque existo é que penso

Noticia

Cheguei até a pensar
Que ia ser comigo
Não achei que um dia
Sequer seria seu amigo

A vida passa e eu
Me sinto as vezes um velho
Tão chato, tão serio
Que ninguém me aturaría

E tive noticias tuas
Que confesso, não esperava
Ficar triste e confuso
Não por esperança nem nada

Só entristeci e isso basta
Aquela noticia que alí me desagradava
Mostrou minha decepção de estar
Mais velho do que eu imaginava

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Deixei o Tempo

Deixei o tempo
Fazer de mim um velho
Com dores no joelho
Sem vontade de correr

Entrevado, pensativo,
Me distancio de mim mesmo
Fuga inutil, volto pior
Ao velho ponto de partida

Rio da vida, e ela
Me ri devolta como quem
Retruca uma resposta

Há de vir, um dia
A morte me levar a dor
Dessa ferida pelo tempo exposta

terça-feira, 6 de abril de 2010

Levo em Meu Peito

Levo em meu peito
Amores findados
Dores de minhas perdas
Saudades de minha infância

Levo em meu peito
Um nó de minha idade
Intrincado e imaturo
Gritando por responsabilidade

Poderia aliviar meu peito
Talvez me suicidando
Mas isso também seria
Imaturo demais

Vão passar os anos
E vou colecionar amores,
Perdas, saudades,
Imaturidades e desenganos
Mudanças

O gosto amargo da cerveja
Minha tão antiga companhia
Desce me pela garganta
Agora com sabor diferente

Ah, tudo mudou tanto
Aquele encanto que outrora via
Em muita coisa, sumiu
Feito poeira de estrada deserta

Eu, agora desfeito
Frente a brusca mudança
O Espelho virou meu inimigo

A cerveja, outrora minha companhia
Infalível nos dias de solidão
causa tristes lembranças, talvez por castigo